Futebol Nacional I Testes à Covid-19 custam 8 milhões e podem “matar” os clubes amadores

Campeão distrital, o Juventude de Évora pode nem aquecer o lugar no Campeonato de Portugal (o 3º escalão nacional). “Se for obrigatório fazer testes à Covid-19, desistimos. Mas somos nós e mais de 90% das equipas”, avisa à SÁBADO o presidente do clube alentejano. António Sousa continua: “Isso é incomportável para clubes amadores. As contas são fáceis de fazer: como cada teste custa entre 80 e 100 euros, se testarmos 25 a 30 elementos do plantel todos os fins-de-semana, dá pelo menos 10 mil euros por mês e, numa época de oito meses, são 80 mil por época, o que é muito mais do que o nosso orçamento para o futebol. Agora, multiplique-se isso pelas 96 equipas do Campeonato de Portugal para ver quantos milhões são precisos [seriam 7,6 milhões] em testes. É uma loucura”.
Além da questão financeira, há a impossibilidade de se manter os jogadores isolados, como realça à SÁBADO Patrick Morais de Carvalho, presidente do Belenenses (o clube, não a SAD), na I Divisão Distrital de Lisboa. “Na I Liga eles são profissionais e podem ficar numa bolha, vão aos treinos e aos jogos e seguem para casa. Mas na nossa equipa sénior todos trabalham, os miúdos andam na escola, usam os transportes públicos. Neste contexto, não serve de nada fazer testes”, aponta.

A questão aqui é perceber o que se faz se aparecerem infetados: A partida é adiada e a equipa fica de quarentena? É obrigatório fazer testes a todos os jogadores e os que não estiverem positivos podem jogar? A equipa perde por falta de comparência? “Também queria saber, até porque todos os dias recebo telefonemas de clubes a perguntarem como é que vai ser. Tanto a nível dos testes como do uso dos balneários ou da existência de público nos jogos”, responde à SÁBADO o presidente da AF Aveiro, a quarta maior do país, a seguir a Porto, Lisboa e Braga.

Arménio Pinho aponta: “Esta indefinição é terrível. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Direção Geral da Saúde (DGS) têm de definir as regras. Não podem pensar só no futebol profissional, porque a base da pirâmide são as associações”. E as 22 associações representam quase 200 mil atletas seniores nas várias divisões distritais e regionais do continente e ilhas. Na semana passada, FPF e DGS fizeram várias reuniões para tentar estabelecer um conjunto de regras, mas não chegaram a consenso. Esta segunda-feira, recomeçaram as reuniões, havendo a expetativa de que surja um novo regulamento até ao final da semana (dia 21).

António Sousa, presidente do Juventude de Évora, que é médico de profissão, avisa: “Não podemos entrar em pânico por causa do vírus e deixar completamente de fazer desporto, porque isso tem custos a nível de saúde. E tem de prevalecer o bom senso. Quem tiver sintomas, não vem aos treinos. Por exemplo, temos um jogador de Mora e disse-lhe para não vir por agora, porque na vila há mais de 30 casos”.

Os jogos do Campeonato de Portugal arrancam a 20 de setembro e os das divisões distritais dividem-se entre esse mês e outubro (em Aveiro, a I Divisão tem início a 6 de setembro, no Porto é a 20 e em Lisboa a 26). Por isso, muitos clubes já começaram os treinos, mas com cuidados redobrados e regras de bom senso impostas pelos seus responsáveis, enquanto esperam a cartilha da DGS. Os treinadores usam máscara, os jogadores medem a temperatura, usam álcool-gel e garrafas de água individuais e vão equipados de casa, evitando os balneários, como acontece no Belenenses. “Cada jogador recebeu um equipamento de treino e fica responsável por ele. Leva-o para casa e lava a roupa”, conta Patrick Morais Carvalho.

“Os jogadores deslocam-se para os treinos nos seus carros. Há três ou quatro que têm de usar os transportes públicos e, nesse caso, cada um fica com um balneário, para não irem todos sujos para casa”, refere o presidente do Belenenses. No Vianense, quem vive na cidade de Viana do Castelo vai para os treinos já equipado, alguns a pé ou de bicicleta. “Há meia dúzia que vêm de mais longe, a 30 ou 40 km, e esses usam os balneários. Temos sete, dá para se espalharem”, realça à SÁBADO o presidente, Rui Pedro Silva.

No Juventude de Évora, equaciona-se a hipótese de os atletas nem sequer usarem os balneários nos jogos em casa. O problema, diz António Sousa, é quando começar o inverno. “Não podem ir para casa todos sujos e molhados. Aí têm de tomar banho e mudar de roupa”.

A prioridade da equipa técnica do Vianense é, para já, “melhorar a condição física”, depois de uma paragem tão longa (os campeonatos foram interrompidos em março). “Só estão organizados em pequenos grupos de quatro ou cinco e ainda não fizeram treinos de conjunto”, refere o presidente.

Mas já há clubes a fazerem jogos de preparação. “Alguns até põem imagens das partidas no Youtube, desconhecendo que têm de ter autorização por parte da FPF e da DGS. E lá tenho eu de telefonar a avisá-los”, conta Arménio Pinho. Por causa disso, o Vila Real, que começou a nova época a 5 de agosto, já cancelou jogos com o Vidago e o Mirandela. “Não queremos correr riscos”, assegura o director-desportivo, Carlos Manuel, que conta à SÁBADO que o grupo está dividido por quatro balneários.

Na última época, a pandemia de Covid-19 apanhou toda a gente de surpresa e isso levou a alguns imbróglios jurídicos, como os que ainda estão por resolver com as descidas e subidas relacionadas com a II Liga e o Campeonato de Portugal, que teve de ser alargado de 80 para 96 equipas. Agora, nota Arménio Pinho, isso já não acontecerá. “As associações adaptaram os seus regulamentos para que em caso de força maior as provas possam ser homologadas, desde que se tenha disputado a maioria dos jogos”. Em Aveiro, essa percentagem é de 70%, em Lisboa é de apenas 50%. “Se houver segunda vaga de Covid, a distrital pode terminar ao fim da primeira volta, e como queremos chegar ao Campeonato de Portugal já na próxima época, não podemos facilitar e temos de andar na frente desde a primeira jornada”, revela Patrick Morais de Carvalho.

Rui Pedro Silva espera que se realize o Campeonato de Portugal, mas também admite a hipótese de esta época não haver competições amadoras (distritais e camadas jovens e, eventualmente, também o Campeonato de Portugal), embora isso seja dramático, porque “há um profissionalismo encapotado”, com muitos jogadores do Campeonato de Portugal que vivem em exclusivo do futebol, além de treinadores e dirigentes. Se a época for cancelada, diz, tem de se “pensar bem como vai ser em 2021/22”, tendo em conta uma paragem tão longa. “Este ano, quando interromperam as competições, em março, podia-se ter pensado em começar as provas em 2020/21 mais cedo, logo em julho, e depois interromper nos meses de inverno, de novembro a janeiro ou fevereiro, na previsível pior altura de uma possível segunda vaga”.

Os quatro clubes contactados pela SÁBADO têm todos escalões de formação e outras modalidades, e esperam pela clarificação das regras da DGS para avançar, como conta Jaime Carvalho, vice-presidente do Juventude de Évora e responsável pelas modalidades. “Temos 450 atletas, de 12 modalidades, que continuam a aguardar, porque nem sabemos se vai ser permitido o uso do balneário. Está previsto que a época arranque a 31 de agosto, esperemos que até lá as coisas fiquem esclarecidas”

No Belenenses, a equipa de futebol dos juvenis fez alguma preparação física em julho, mas actualmente só os juniores (futebol) e os seniores (futebol e andebol) estão a treinar. Uma situação que preocupa Patrick Morais de Carvalho, porque há quase 2 mil atletas parados. “Temos as nossas equipas de futebol de formação todas nos campeonatos nacionais, ao todo são entre 800 e 900 elementos. E depois são mais 400 no râguebi e mais 600 a 700 nas outras modalidades, do futsal ao andebol, basquetebol e natação”, enumera.

António Sousa acredita que no distrito de Évora, no futebol, além dos seniores, pelo menos os escalões de juniores, juvenis e iniciados vão realizar-se. “Poderão decorrer à porta fechada, mas são importantes, até porque dão acesso às provas nacionais. Já as categorias dos mais pequenos, dos benjamins aos petizes, poderão não avançar, ou então ter só treinos, para manter os miúdos em atividade”.

Rui Pedro Silva destaca uma medida inovadora do Vianense, que no futebol tem todos os escalões, para tentar manter os jovens em acividade (com 350 atletas, o clube tem ainda as modalidades de judo e dança desportiva e de salão): “Percebemos que havia interesse dos miúdos em voltar aos treinos. Então, criamos um espaço no nosso complexo desportivo, para que pudessem ir fazer treinos individuais ao ar livre, supervisionados por técnicos e com o devido distanciamento. Mas esse número acabou por ficar bastante aquém do esperado. O receio por parte dos pais é maior do que a vontade dos filhos”, diz, revelando que há já muitos jovens a deixarem o futebol e a inscreverem-se em desportos individuais, como atletismo ou ténis.

A ausência de público nos jogos é outra questão que preocupa os dirigentes. “Se o futebol for à porta fechada, os clubes não sobrevivem”, aponta o presidente da AF Aveiro. “Esta situação é muito complicada” e deverá ser equacionada pela FPF e DGS, avisa Arménio Pinho. “As touradas podem ter público, assim como os concertos e a Festa do Avante. Vi montes de gente a assistir ao rali da Madeira, a F1 e o motociclismo, no autódromo do Algarve, já vendem bilhetes, porque é que o futebol, a nível distrital, não pode ter algumas centenas de pessoas a ver os jogos?”, questiona.

O presidente do Juventude de Évora realça: “O nosso estádio tem uma bancada com capacidade para 2 mil pessoas e depois um peão aberto. Se pusermos ali 300 ou 400 adeptos, com máscara e com a devida distância, isso é completamente seguro”, diz.

A ausência de público poderá ter graves consequências a nível financeiro, em clubes que têm receitas escassas e vivem da carolice. “Se os sócios não forem ao estádio deixam de pagar as quotas e deixam de fazer despesa nos bares das agremiações. Ao mesmo tempo, os patrocinadores também perdem o interesse em investir em publicidade, seja nas camisolas ou nos painéis dos estádios”, aponta Arménio Pinho, que revela que para já ainda nenhum dos 162 clubes da AF Aveiro manifestou vontade em desistir. “Eles estão com vontade de começar e nós temos tudo calendarizado, mas falta saber aquilo com que podemos contar”.

No Vianense, Rui Pedro Silva admite que os jogos à porta fechada vão ser prejudiciais, porque “sem público não há visibilidade, e as empresas deixam de ter interesse em apostar em publicidade e patrocínios”. Embora ainda não saiba em que série é que o clube minhoto vai ficar inserido, acredita que será numa com muitas equipas de Trás-os-Montes, que “por norma, não costumam levar muitos adeptos aos jogos”. Mas, continua, há sempre “as receitas de bilheteira dos nossos associados, que são muito fiéis, somos um clube centenário” [fundado em 1898].

Patrick Morais de Carvalho avisa que os jogos sem público vão ser maus para o Belenenses, que vai perder muitos milhares de euros, mas também para as outras equipas da Distrital de Lisboa. “Nós conseguimos facilmente por mil ou 2 mil pessoas nos jogos fora, para esses clubes é uma festa, é como ir lá o Real Madrid. Também será um rombo para os nossos adversários”, diz, adiantando que para já os patrocinadores mantêm-se com a equipa. “Esperemos é que isto não se arraste muito mais tempo”.

SÁBADO

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