Ambrose: do Chelsea a Gouveia são dois anos de viagens

Mundo de aventuras, trouxa na mão, mente aberta. Londres fica para trás em 2014, até Estocolmo é só um saltinho, por que não Toledo e Huesca, lá para os lados da Ibéria?

Gouveia, agora é para Gouveia, faz favor. 3500 habitantes, sub-região da Serra da Estrela, um clube de futebol a 700 metros de altitude e a lutar por coisas bonitas no Campeonato de Portugal.De bússola na mão, Ambrose Gnahore não perde o Norte. Larga o Chelsea, de «coração partido», e ao invés da esmagadora maioria dos colegas, cujas carreiras passam pela League One e League Two, prefere arriscar e abraçar o desconhecido.

Do Chelsea FC ao CD Gouveia são dois anos de viagens. O trilho é, no mínimo, incomum. Diríamos que estamos em território virgem. O que leva um produto da formação blue a trocar o aconchego da capital britânica pelo terceiro escalão português? Há dois bons motivos, diz Ambrose em entrevista ao Maisfutebol. Na verdade, há três bons motivos.

«Bem, Portugal é campeão da Europa e os olhos dos maiores clubes europeus estão atentos (risos). Além disso, o meu melhor amigo em Inglaterra é português. Até vimos juntos a final do Euro2016. Claro que festejei o golo do Éder».E o terceiro? Porquê o Clube Desportivo Gouveia? «Tomei a decisão com a minha família. Um empresário sugeriu-me este clube».

Ambrose Gnahore, 20 anos, sorriso permanente, brinco a reluzir na orelha esquerda e olhar de menino. Para ele, o futebol é um meio privilegiado para explorar os vários braços da felicidade.«Preferi jogar no terceiro escalão para ter minutos de competição, era obrigatório para a minha evolução. Na Suécia e na Espanha não me adaptei bem, esta época tinha mesmo de ser titular num clube».

No Gouveia, e no Estádio Municipal do Farvão, Ambrose tem sido titular. Soma nove jogos e um golo. Mas quer mais e sente precisar de mais.«O CD Gouveia é um clube histórico e tem a ambição de chegar à II Liga. Este ano talvez já não seja possível, mas o clube tem esse projeto. As pessoas têm sido fantásticas comigo. Colegas, treinadores, dirigentes, adeptos… sinto que querem o melhor para mim».

«Mourinho cumprimentou todos os passageiros do avião»

Dias simples, de sossego e futebol. Levantar cedo, rezar com fé, tomar o pequeno almoço e seguir para o ginásio. Voltar a casa, almoçar e relaxar até ao treino, impreterivelmente agendado para as 18 horas.Pouco ou nada a ver com a vida de Ambrose em Londres. «Comecei a jogar num pequeno clube do meu bairro em Londres. Fui para o Chelsea com 13 anos, mas antes já tinha sido recusado por ser muito pequeno».

Em Stamford Bridge – e sobretudo em Cobham – passou seis anos. E conheceu «vários portugueses». Nunca jogou pela equipa principal, mas José Mourinho quis observá-lo em vários treinos.«Sim, treinei com o plantel principal em quatro ou cinco ocasiões. Vi um homem muito calmo e afável. Não falava muito nos treinos, o prof. Rui Faria é que se encarregava de quase tudo», recorda Ambrose Gnahore, o extremo que em dois anos passou do Chelsea ao Gouveia.

«Mourinho causou um tremendo impacto no clube. Todos os treinadores falavam dele. Nunca me esquecerei de uma viagem que fizemos de avião. A equipa principal e a de reservas estavam juntas, o José entrou e cumprimentou todos os passageiros do avião. De trás para a frente. As pessoas ficaram impressionadas com a simplicidade dele».

«Abramovich? Via-o no helicóptero, durante o treino»

De Roman Abramovich, o multimilionário proprietário do Chelsea, Ambrose tem menos memórias. Nunca foi ao balneário das camadas jovens, nunca se aproximou das infraestruturas dedicadas à formação.«Uau! O Abramovich? É muito discreto, quase anónimo. Talvez o tenha visto uma vez. Não, acho que só o vi mesmo no helicóptero durante os nossos treinos (risos). É assim mesmo, é rico».

Seis épocas de blue, promessas compreensivelmente construídas, expetativas naturais. Tudo desfeito numa conversa traumática, junho de 2014.«Foi um dos momentos mais duros da minha vida. O futebol é assim. Tinha tudo no Chelsea e vivia uma vida diferente. Espero poder voltar a esse nível», desabafa Ambrose ao Maisfutebol.

«Na minha última temporada marquei nove golos em 11 jogos. Era o segundo melhor marcador dos Sub19. O nosso diretor chamou-me e disse ‘esta é a tua melhor época no Chelsea e estamos muito surpreendidos, mas a decisão de te dispensar já estava tomada’», conta, ainda tocado pela deceção.

«Eles optaram por oferecer a outros o tão desejado contrato de profissional. A minha era no Chelsea acabou aí. Mas mantenho contato com os meus colegas e com o Joe Edwards, antigo treinador. Eles seguem tudo o que faço».Perante a saída anunciada, o que fez Ambrose Gnahore? Decidiu contrariar o destino comum – escalões secundários de Inglaterra – e rumou ao Assyriska sueco. «Má escolha» e transferência para Espanha, tudo na temporada 2015/16.

Valeu a pena? «Há muitas áreas que preciso desenvolver, mas quando estou concentrado no futebol acho que sou um futebolista de qualidade. Nestes dois anos mudei muito, sinto-me muito mais focado».Em Portugal, e no CD Gouveia, Ambrose quer «fazer golos e ganhar consistência».

«O tipo de jogo é mais rico do que o inglês, onde o físico e a intensidade são o mais importante. Quero construir o meu nome e chegar em breve à I Liga». De preferência, diz, ao FC Porto.«Sou adepto do Porto e o meu jogador favorito é o Brahimi. Gosto dele, é bom jogador. Somos parecidos (risos). Ele é melhor do que eu, mas numa corrida acho que não ficaria muito atrás».

Ambrose Gnahore, 20 anos, ator principal num filme de futebol e aventuras. Voltaremos a ouvir falar dele?

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